Épocas da vida


Em alguma época, as mulheres sentavam na porta de suas casas, com seus vestidos e saias rodadas, com anáguas por baixo – enquanto os homens da casa, reunidos em algum canto do bairro (ou até mesmo próximos a elas), conversavam e discutiam o que julgavam importante. Após escurecer, as senhoras entravam e serviam o jantar da família. Em seguida, adentravam em seus quartos e passavam longas horas em frente aos oratórios de madeira, rezando e pedindo aos santos que as decisões de seus homens fossem corretas, da vontade de Deus.

Para telefonar era preciso agendar com antecedência uma ligação e quando finalmente conseguíamos, era um momento único, de extrema felicidade. “Mulher, consegui falar com meu irmão! Ele, a mulher e as crianças estão bem!”. Passamos da fase em que olhávamos na caixa de correios ansiosos por receber alguma carta. Hoje só nos deparamos com contas, folhetos e avisos comunicando reunião de condomínio. Nem a caixa de entrada do e-mail traz alguma frase bolada, algo que alguém tenha escrito especialmente para nós. Só textos encaminhados, correntes, spam...

Há algumas épocas, as fases da vida eram bem definidas. Nascimento, batismo, infância, primeira eucaristia, adolescência, casamento, juventude, filhos. E recomeçava o ciclo...  Hoje está tudo muito solto, sem parâmetros. Já não sabemos até que idade, ao certo, alguém é criança. A infância não é marcada (somente) por brincadeiras inocentes. O ar da meninice agora contém uma certa... malícia. Televisão, videogame, pais cada vez mais novos e inexperientes, descaso, violência, falta de informação, diálogo. Estamos numa era intrigante: passamos pela loucura tribalhista, a perda das rédeas, o liberalismo sexual e agora parece que estamos buscando resgatar as bases sólidas de outrora, um alicerce.

*Já perceberam que as músicas dos países onde essa fase liberalista aconteceu há mais tempo tem falado muito em casamento?! É só prestar atenção. Mas isso é assunto pro Desatinos Musicais.

Em alguma época, os grandes programas eram passeios à tarde, sorvete aos domingos, rodadas de violão na porta de casa, visita à casa dos avós.
Ok, ok. Eu sei que essas coisas ainda existem. Mas são mais raras (o que por um lado é até bom, pois as fazem mais preciosas)!

Só sei dizer que, em alguma época, o tempo passa e você se dá conta de que seus irmãozinhos menores já estão na puberdade e de “sua época” pra cá já ocorreram modificações significativas na história da humanidade e no meio onde vivemos.

Aí bate aquela saudade dos tempos áureos da nossa infância, da professora Raimundinha, de correr pela casa, chorar pra não ir embora da festinha de aniversário. Saudade dos cabelos que eram lindos, compridos, cacheados. Da pele que não tinha nenhuma marca. Da coluna que não doía, da vista que não cansava, das contas que nem existiam e da forma como tudo aparecia em casa sem você se preocupar de que forma. Afinal, por onde anda tudo isso? Os suspensórios, os peões de madeira, as coleções de peteca?

As meninas hoje não ganham diários de 15 anos, ganham viagens para a Disney. As que gostam de escrever, “alimentam blogs”. Os rapazes não esperam mais a semana inteira pra, na festa do final de semana, tentar conquistar aquele “broto” da 8ªC.  Eles entram no msn, fazem sexo virtual e, ao longo da semana, concretizam toda e qualquer fantasia no banheiro da escola. Alguns até pedem pro coleguinha filmar as cenas e jogam no youtube...

Sei que já passamos por tantas fases e nossos filhos também farão as mesmas comparações entre passado e presente, com o mesmo (quem sabe?) saudosismo e nostalgia que hoje tomam conta de mim. Muito do que citei anteriormente não vivi (exceto com relação aos suspensórios), mas escutei mamãe e vovó falarem tanto a respeito que chego a sentir falta, até do que não vivenciei.

Sei que, em alguma época dessas, chegarei na inevitável fase de toda geração, na qual recordarei, resmungando:


“Ah...! Na minha época não era assim!”

Comentários

Sara disse…
Ola Flávia, gostei muito do texto e é bem verdade viu, e vou te contar uma coisa nem sou mãe e já fui tia-avó ano passado e hoje acabo de saber que vou ser outra vez, e minhas sobrinhas que carreguei no colo agora estão assim todas avançadas, "no meu tempo não era assim", era mas a gente esquece não é mesmo?! Beijinhos
L.S. Alves disse…
Passamos da fase em que olhávamos na caixa de correios ansiosos por receber alguma carta. Hoje só nos deparamos com contas, folhetos e avisos comunicando reunião de condomínio. Nem a caixa de entrada do e-mail traz alguma frase bolada, algo que alguém tenha escrito especialmente para nós.
...
Só por que você quer. Mande uma carta e as pessoas responderão.
Pelo menos funciona comigo.
Um abraço.
Flávia Lima disse…
É verdade, Alves. Vou experimentar fazer isso. Na verdade eu me referia mais à frequência com que essas coisas aconteciam. Hoje são mais raras... Mas por um lado - como disse no text - é até bom, pois se torna ainda mais especial. :)
Dom Rafa disse…
Acho que eu cheguei à época do resmungo aos 5 anos de idade.
Lu Vieira disse…
Que texto maravilhoso, parabéns! Eu já me peguei falando a tal frase: "Ah, na minha época não era assim!" O que estou me lembrando agora foi numa situação em que a conversa era sobre a preocupação excessiva dos pais em saber onde seus pequenos filhos estão brincando. Aí disparei: "A minha mãe não precisava se preocupar tanto. Eu, meus irmãos e meus amiguinhos podíamos sair andando de bicicleta por várias ruas. Na minha infância a maioria das ruas eram de chão batido e não havia tantos carros como hoje. Podíamos brincar tranquilamente na rua que nenhum carro iria atropelar a gente..." Não precisei viver muito para dizer que na minha época era diferente, rsrs.

Como você disse, há situações que ainda existem, mas são raras. Eu, por exemplo, até hoje gosto muito de receber carta de amigos pelo correio. E também escrevo carta. Porém, não são muitas como antigamente... É tão chato receber inúmeras propagandas pelo correio. A maioria das vezes nem chego a abrir a correspondência. Vai direto para o lixeiro. Quanto às contas, quase não recebo pelo correio, pois opto pelo débito automático em conta bancária. O meu medo é rasgar sem querer e jogar a conta no lixo. Ou simplesmente esquecer de pagar.

Beijinhos!

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