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Diagnóstico | "Dar nome às coisas"

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Desde o princípio, antes mesmo da palavra, nosso corpo já falava. Um gesto podia ser um alerta. Um olhar, um abrigo. Um grito poderia representar a fronteira contra um perigo iminente. Mas hoje, enquanto arrancava a pele dos meus dedos até sangrar (uma mania antiga), descobri que essa dor tinha um nome: dermatotilexomania. E o que era apenas hábito obsessivo e dolorido, tornou-se coisa nomeada. E ao ganhar nome, ganhou também peso, contorno, presença. Foi aí que me perguntei: em que instante da história o ser humano decidiu batizar as coisas? Quando se deu conta de que nomear não apenas organizava a vida, mas também, de certa forma, a criava? Há quem diga que só existe aquilo que podemos nomear. O "nome" é como um sopro que arranca algo do invisível e o firma na terra. Sem ele, tudo é sombra, sem rosto ou distinção. A filosofia e a psicanálise sabem bem disso: nomear é separar sujeito de objeto, traçar fronteiras entre mim e o outro, sustentar a diferença que nos permite exis...

A arte salva

Quantas vezes a arte já te salvou? A mim, incontáveis. Ela me salva desde a infância, na verdade. Como quando era pequena e não tinha amigos, mas tinha uma TV onde assistia Chaves e Chapolin todas as tardes com a minha avó, ao chegar do colégio. Nessa época, também desenhava e escrevia. Aliás, por que será que deixamos pra trás esses hábitos de desenhar, colorir, colar, criar? Pensando bem, a sociedade não incentiva isso nos adultos porque seríamos menos produtivos para a grande roda do capitalismo. A arte me salvou aos 15, quando me descobri lésbica. Eu então passei a escutar bem alto, no meu quarto (bem estilo adolescente de filme americano, sabe?), algumas músicas que mais adiante eu entenderia como hinos da comunidade. Artistas que, assim como eu, em algum momento também precisaram escoar toda a dor do preconceito, da incompreensão, da ausência de representatividade ou mesmo da intensidade ou da confusão característica dessa fase da adolescência. Se fechar meus olhos, consigo me ve...

A colega misteriosa

Duas jovens, em meio ao burburinho das colegas que brigavam e falavam mal umas das outras na faculdade, não compreendiam uma certa moça. Ela não era alegre demais, nem triste demais. Cumpria seus deveres, chegava sempre na hora, tratava a todos com respeito e nunca se envolvia em confusões. Mas a tranquilidade dela incomodava. “Perfeitinha demais”, diziam. “Deve esconder um grande defeito. Talvez seja até uma psicopata.” Decidiram então investigar sua vida. Seguiram-na após a aula, bisbilhotaram suas conversas, observaram suas redes sociais. Até mesmo foram à sua casa, sob o pretexto de copiar um trabalho. Passadas algumas semanas, um amigo em comum quis saber: — E então? Descobriram os podres dela? As duas se entreolharam. Uma baixou a cabeça, envergonhada. A outra tentou falar, pensou em inventar uma mentira, mas suspirou e respondeu: — Pior do que isso... Descobrimos que ela é muito gente boa.

Teleférica mente 💭

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Mente teleférica Sobrevoa pensamentos psicodélicos Num emaranhado de raízes neurais em constante expansão Pensamento não pesa na cuca Ou pesa? Então por que minha cabeça dói tanto? Sim, mas ocupa espaço No lugar do plano concretizado, projetos inacabados Ao invés da disciplina, a massa cinzenta em ebulição Quem encararia, como na canção do Raul, tão angustiante iguaria? Ansiosa mente Curiosa mente Criativa mente, pelo menos Ainda que caótica mente Inquieta mente Instintivamente, quem decide devorá-la sabe Honestamente Dos possíveis efeitos colaterais Perigosamente, tal qual maniva não cozida Flor do jambu pura Forte, irrestrita, rara Fatal mente Imprevisível mente.

Fale agora ou...

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Minha questão paradoxal com a comunicação é velha. Nunca tive problemas para escrever, ao contrário. Já com o falar... O buraco sempre foi mais embaixo. Então, o que me sobra em palavras escritas, me falta em faladas. Tudo começou (ou pôde ser mais facilmente percebido) durante a primeira infância, na escola. Enquanto pais de outros alunos eram chamados por conta de brigas e outras encrencas, muito comuns nessa fase, minha mãe foi notificada algumas vezes sobre o meu silêncio. Sim. Eu simplesmente quase não falava. Lembro de ter feito algumas tentativas de entrosamento, todas frustradas. As meninas me ensinavam brincadeiras cujas regras eu esquecia e acabava perdendo e ficando triste e ainda mais amuada. Meninos riam de mim e faziam bullying com meu segundo nome e provavelmente outros motivos dos quais não consigo lembrar agora. Mas eu acho que isso não me tornava mais engraçada ou interessante, pois lembro que eles logo paravam porque eu não os enfrentava de modo algum. Meu silêncio d...

A epifania e meu processo de "recordar, repetir e elaborar"

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É interessante (eu diria até surpreendente) como funciona um processo de análise. Repare bem: eu disse "um processo" e não "o processo" pois, naturalmente, só me cabe o lugar de fala do ponto de vista da minha vivência. E do lado de cá, tá cada dia mais assustador. De um jeito bom. Eu acho. Primeiro que, de uns tempos pra cá, meus sonhos tem sido mais fáceis de interpretar - ou sou eu que tenho conseguido extrair mais informações do meu inconsciente através deles. Memórias da minha infância e adolescência  tem sido destravadas, aos poucos, como um ouvido que, após um forte resfriado, de repente "desentope" nos permitindo voltar a ouvir normalmente. Sendo que antes nem tínhamos percebido qualquer prejuízo na audição. Outra descoberta bem significativa que tive foi a profunda mágoa em relação ao meu pai, coisa que jamais passara pela minha cabeça ao longo destes 39 anos. Enfim, sem aprofundamentos nesse sentido. Pois quero mesmo falar sobre uma epifania que ...

A morte do Senor Abravanel, minha avó Olívia e o reviver de um luto

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17 de Agosto de 2024. O dia em que, numa linda e ensolarada manhã de sol, a notícia do falecimento de Silvio Santos (que dispensa apresentações...), me alcançou como uma flecha, direto no peito. Assim, do jeito que costuma chegar esse tipo de notícia, de forma rápida, profunda e precisa. A dor só chegou alguns minutos depois. E jorrou feito sangue. E continua jorrando - o que me motivou a escrever. Minha pretensão não é exatamente prestar uma homenagem, apesar de me considerar incapaz de escapar desse tom. Afinal, quem pode negar a influência dele na comunicação brasileira? Ou afirmar que nunca ficou preso assistindo algum quadro dele? As pegadinhas, os programas de auditório... o próprio Chaves e o Chapolin, que passaram repetidamente durante décadas, acompanhando o crescimento de diversas gerações.  Eu lembro que chegava da escola (estudava no turno da manhã) com a minha avó, que ia me buscar todos os dias, ligava logo a TV enquanto ela ia esquentar o almoço. Sabia que em algum m...

A cocriação e a autorresponsabilidade

Ontem a sessão de análise foi diferente. Iniciei contando coisas boas, avanços íntimos e novidades empolgantes. Desembestei a falar por uns vinte minutos com uma energia e um vigor que normalmente eu não tenho (na verdade, não tenho tido). Ao fim, concluí que algumas dificuldades encontradas ao longo do percurso revelaram-se como um jeito torto de vencer. Meu analista me questionou o que seria o "torto" para mim e, depois de minha explicação, me devolveu um silêncio desconfortável. Após alguns segundos (ou minutos que pareceram horas), eu soltei: "É, hoje eu só tenho coisas boas para falar". Silêncio novamente. Até que ele começou: "Flávia, por que você acredita que esse espaço aqui é só para trazer coisas ruins? Se fosse em uma sessão presencial, só esses 20 minutos iniciais teriam sido o suficiente e eu teria te cortado e  dispensado em seguida". Fiquei sem entender.  O feedback que ele me deu na sequência sobre o meu processo de análise foi bem positivo...

Aquele sobre idade e envelhecer

Essa questão de idade tem sido exatamente isso em minha vida: uma questão. Desde sempre. Apesar de bastante terapia e análise, acredito que ainda não tenha chegado a qualquer conclusão que me deixasse totalmente tranquila, satisfeita ou confortável com o tema. Perguntas relacionadas ao tempo que permanecemos na Terra e como lidamos com o processo de envelhecimento enquanto sociedade fazem parte do meu cotidiano. Quem sabe se também fossem pauta prioritária nas discussões mundiais, como a respeito do clima e da preservação ambiental, não existissem tantos tabus e preconceito. Talvez dessa forma passássemos por todas as fases com mais aproveitamento e segurança. Mas quem se importa com os mais velhos? Os jovens só querem curtir a vida, o belo, a conquista, as juntas ainda bem lubrificadas, a pele repleta de colágeno, o corpo todo durinho, as tatuagens firmes e ainda nítidas. O verão, as paixões, as primeiras vezes de cada uma das coisas. Nessa fase ninguém costuma ouvir muitos conselhos ...

Carta a mim

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"Desculpe, estou um pouco atrasado. Mas espero que ainda dê tempo de dizer que andei errado e eu entendo..." Estou com essa música na cabeça e... após algum tempo de terapia, aprendi a raciocinar sobre tudo, a subjetificar tudo. Eis que acredito estar um pouco atrasada em relação a alguma coisa em minha vida. Não sei exatamente a quê. Há muito que essa estranha sensação de que estou fazendo as coisas de forma errada me persegue. Antes, eu vivia tudo tão intensamente, mas me perdia em minha própria intensidade. Hoje, já mais calma e dona de mim, sinto a minha falta e, como diria Nando Reis, "a falta é a morte da esperança". P.S.: Acho que amanhã meu analista vai ter muito material para trabalhar...rs Aliás, revelei na última sessão de análise que sou uma apaixonada por cartas. Durante praticamente minha adolescência inteira eu as escrevia. Quase sempre, às minhas melhores amigas, mas outras pessoas que passaram pela minha vida também foram contempladas. Ex-namoradas,...

About time ⏳

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  `✵•.¸,✵°✵.。.✰ 𝕆 𝕢𝕦𝕖 𝕗𝕠𝕚 𝕖𝕤𝕔𝕠𝕟𝕕𝕚𝕕𝕠  É 𝕠 𝕢𝕦𝕖 𝕤𝕖 𝕖𝕤𝕔𝕠𝕟𝕕𝕖𝕦  𝔼 𝕠 𝕢𝕦𝕖 𝕗𝕠𝕚 𝕡𝕣𝕠𝕞𝕖𝕥𝕚𝕕𝕠  ℕ𝕚𝕟𝕘𝕦é𝕞 𝕡𝕣𝕠𝕞𝕖𝕥𝕖𝕦  ℕ𝕖𝕞 𝕗𝕠𝕚 𝕥𝕖𝕞𝕡𝕠 𝕡𝕖𝕣𝕕𝕚𝕕𝕠  𝕊𝕠𝕞𝕠𝕤 𝕥ã𝕠 𝕛𝕠𝕧𝕖𝕟𝕤 ✰.。.✵°✵,¸.•✵´

Tentativa de desenferrujar o Escarlate - Parte II

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Há cerca de 3 anos deixei de fazer algo que fiz a vida inteira, desde criança: escrever. Não escrever no sentido literal, pois se levar em conta pautas, roteiros, abertura, e outras funções referentes à minha carreira, sempre estive bem ativa. Mas escrever por escrever, apenas. Tentar extrair algum sentimento, ainda que sem lógica do emaranhado de pensamentos que permeiam minha mente noite e dia. Às vezes até em sonho.  Palavras sempre me encantaram. Não as leio, as saboreio. Gosto tanto delas que curto desde frases de outdoor, até  placas de carros, com as quais brinco de tentar formar sílabas ou criar frases com as iniciais.  No dia que conheci a @nandafurini (meu amor ♡), tinha acabado de tirar a poeira do Escarlate. Mas lá se foi metade de um ano novamente. Ela tem me inspiado bastante desde então. Mas hoje não é por ela ou pra ela que escrevo. É por mim e pela vontade que tô de quebrar o mais longo bloqueio criativo da minha vida. Vamos desenferrujar ess...

(ME) Retomando, reescrevendo, reinventando

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Estou de volta! Há quanto tempo não escrevia???? No último post o texto nem foi de minha autoria. Esse é o bloqueio criativo mais longo da minha vida. OU era. Decidi interrompê-lo, ele querendo ou não. Preciso voltar a transformar sentimentos em palavras, coisa que faço desde a infância, meu free passaport para qualquer lugar do mundo, mas que por algum motivo (ainda desconhecido) deixei de lado. 3 anos e alguns meses apenas arquivando experiências, pensamentos... tanta vida por registrar! Lembrando aqui que minha próxima tattoo deve ser um trecho de uma música da banda Oriente (é, aprendi a gostar de rap  nesse período de reclusão):  "Não importa onde estamos, nossa mente é nosso lar" Talvez esse seja o momento perfeito para me inspirar, instigar, pegar meus anseios e frustrações e postar em forma de crônicas e poesias. Se conseguirei ou não, não sei. Mas o primeiro passo já foi dado. :) Muita coisa aconteceu. Minha vida mudou tanto de uns 3 anos pra c...