Não leia "Vidas Secas"

Não leia "Vidas Secas" se for para abandonar Fabiano, Sinhá Vitória, seus dois meninos e a cachorra Baleia pelo meio da estrada, sendo que eles já foram primeiramente abandonados pelo mundo.

Não leia "Vidas Secas" se você for uma pessoa seca. Seca de empatia. Seca de sentimento. Seca de sensibilidade, porque já basta a secura do sertão nordestino, a secura da vida miserável. E cada lágrima derramada por esse livro é uma gota a mais de esperança no deserto da humanidade, onde habitam as boas almas.

Não leia "Vidas Secas" se não for para sonhar com uma cama de lastro de couro junto com Sinhá Vitória, ou desejar um mundo cheio de carinho e preás para a cachorra Baleia, ou se "enfezar mais" Fabiano com a cobrança absurda de impostos que ele não compreendia e nem sabia direito como perguntar, devido ao vocabulário parco e dificuldade de comunicação de homem matuto.

Não leia "Vidas Secas" se estiver esperando grandes acontecimentos ou um "Plot Twist" no final, pois a beleza dessa obra encontra-se diluída em toda a narrativa, na singularidade de cada personagem, na pureza do coração de cada um deles, na resiliência incansável, na simplicidade de seus sonhos, na alegria com tão pequenas conquistas – que pareceriam mais com um absurdo ou desgraça aos olhos de quem este clássico provavelmente consegue alcançar... como se alimentar de um pequeno rodeador ou beber da fonte de uma água insalubre.

Não leia "Vidas Secas" se você não entende que a morte da cachorra Baleia vai muito além de um acontecimento trágico ou do luto pela perda de um membro da família. Esse triste fato representa a morte da esperança, da inocência e da ternura, em um mundo íntimo marcado pela desumanização. Também demonstra claramente a ignorância de Fabiano, que a sacrificou por achar que ela estava com "moléstia" (raiva), quando na verdade só apresentava sinais de desidratação e desnutrição.

Por fim, não leia "Vidas Secas" se não tiver a capacidade de se colocar no lugar do outro. Sobretudo se esse outro viver uma realidade tão distante da sua.

Se não for para ser profundamente tocado, se não for para ficar indignado com o fato de tantos viverem com tão pouco, se não for para sonhar com eles, alimentá-los, vesti-los e amá-los em pensamento... 

... por favor! NÃO LEIA "Vidas Secas", de Graciliano Ramos.

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