A morte de Senor Abravanel, minha avó Olívia e o reviver de um luto


17 de Agosto de 2024. O dia em que, numa linda e ensolarada manhã de sol, a notícia do falecimento de Silvio Santos (que dispensa apresentações), me alcançou como uma flecha, direto no peito. Assim, do jeito que costuma chegar esse tipo de notícia, de forma rápida, profunda e precisa. A dor só chegou alguns minutos depois. E jorrou feito sangue. E continua jorrando - o que me motivou a escrever. Minha pretensão não é exatamente prestar uma homenagem, apesar de me considerar incapaz de escapar desse tom.

Afinal, quem pode negar a influência dele na comunicação brasileira? Ou afirmar que nunca ficou preso assistindo algum quadro dele? As pegadinhas, os programas de auditório... o próprio Chaves e o Chapolin, que passaram repetidamente durante décadas, acompanhando o crescimento de diversas gerações. 

Eu lembro que chegava da escola (estudava no turno da manhã) com a minha avó, que ia me buscar todos os dias, ligava logo a TV enquanto ela ia esquentar o almoço. Sabia que em algum momento ela perguntaria: "será que já começou o Chaves?". Ela também gostava de Chapolin, mas ríamos mais com as trapalhadas do menino do 8. Era tradição, nós duas sentadinhas comendo enquanto ríamos das velhas piadas repetidas. 

Falar de Silvio Santos é falar da minha avó. E falar da minha avó me toca num lugar onde jamais consegui chegar sem chorar. E falar da morte dele é lembrar que as pessoas se vão. Todas, sem exceção. Mesmo aquelas que mais amamos. Aquelas que acabamos eternizando dentro de nós. Aquelas que acabam se tornando figuras quase mitológicas, seres imortais em nosso imaginário.

Aconteceu com a Hebe, com o Jô Soares. Na minha vida pessoal, com o Mayron, com a Luba. Se foram na pandemia, mas quando penso neles, é como se ainda estivessem vivendo suas vidas distantes de mim (minhas amizades sempre foram de baixa manutenção e passo longas datas sem falar, mesmo com aquelas que considero mais). 

Silvio Santos não era o "Sr. Abravanel" pra mim, certamente. Não era pai, avô, tio. Era uma presença na TV nos domingos à noite, uma risada inconfundível como trilha sonora das pegadinhas que assisto até hoje com a minha mãe no Youtube - que acaba se misturando com a nossa e se confundindo com uma pitada de culpa por rir de pessoas se assustando, se aborrecendo, caindo, sendo enganadas.

Sim, Silvio era um sádico. Mas em diferentes proporções, quem não o é? Quem pode afirmar nunca ter rido de alguém que tropeçou bem na nossa frente e caiu? Quem nunca assustou um amigo, um colega? No meio de tanta podridão e hipocrisia, era um comunicólogo quase centenário, vindo de uma época em que não existiam movimentos sociais e a maioria dos termos politicamente corretos que conhecemos hoje, tentando trazer um pouco de alegria às casas dos brasileiros.

Mais uma vez, repito: não é uma homenagem. Nem me atreveria. Esse blog acabou se tornando muito mais um espaço catártico, mais uma ferramenta terapêutica do que qualquer outra coisa. Zero pretensões de métrica, coerência (a não ser a minha para comigo) ou qualquer outro elemento textual que enquadre estas linhas a algum gênero literário. 

Meu analista que iria gostar disso. Da última vez que escrevi um baita desabafo, ele adorou e disse que não preciso fazer "textos perfeitinhos de uma jornalista chata da Globo". Talvez nada contra a Globo, acredito. Mas tudo contra fugir de meus impulsos e sentimentos para obedecer a parâmetros textuais pré-estabelecidos. Escrever parece ter uma importância muito grande para a Psicanálise.

Então voltemos ao que interessa: o sentimento. 

A ficha sobre o porquê de tanto choro, a sensação de luto tão forte, como se eu tivesse perdido um parente muito próximo, só caiu horas depois. Minha namorada resumiu muito bem, ao me ouvir falar sobre a relação Silvio Santos x minha avó Olívia: "Eu acho que não é por ele que você está chorando". E ela estava certa.

Dizem que a gente sobrevive até último suspiro da última pessoa que se lembra da gente, né? Então hoje foi como se mais um pedacinho dela tivesse ido embora, junto com ele. Li em um post de uma conhecida algo como "aquela coisa de a folha aos poucos ser levada pelo vento da memória, talvez a fumaça se desfazendo no significado de invisibilidade".

 Assisti-lo era como ter a vovó conosco. Tanto que, após a morte dela, evitamos por longos anos, minha mãe, minha tia e eu, de assistir ao programa do Silvio. Mas, muito tempo depois, ainda colocávamos as pegadinhas para assistirmos em família. Uma espécie de tradição, de ritual mágico, nosso.

Hoje, ele também se foi. Todas essas lembranças e sentimentos voltaram com uma força assustadora e o choro foi inevitável. 

Gostaria de falar sobre como achei cruel algumas pessoas falando mal dele nas redes sociais: que ele era sádico, homofóbico, gordofóbico, racista e etc. Mas não vou. Esse texto é especial demais. Apenas quero deixar claro que em momento algum eu deixei de enxergar esses defeitos - mas gosto de considerar os contextos: ele era um tio brincalhão da geração boomer que criou um império, foi o único dos apresentadores/comunicólogos que além de pioneiro, criou a própria rede de comunicação.

Me despeço com uma ideia que estendo à minha amada vozinha: Raul Gil, em entrevista, foi cirúrgico: "Quem morreu foi o Senor Abravanel. Silvio Santos viverá para sempre!". Dona Olívia, em corpo físico, se foi. Mas a minha vozinha, que amarei até o último dia que eu viver, será eterna dentro de mim. <3


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