Aquele sobre idade e envelhecer

Essa questão de idade tem sido exatamente isso em minha vida: uma questão. Desde sempre. Apesar de bastante terapia e análise, acredito que ainda não tenha chegado a qualquer conclusão que me deixasse totalmente tranquila, satisfeita ou confortável com o tema.

Perguntas relacionadas ao tempo que permanecemos na Terra e como lidamos com o processo de envelhecimento enquanto sociedade fazem parte do meu cotidiano. Quem sabe se também fossem pauta prioritária nas discussões mundiais, como a respeito do clima e da preservação ambiental, não existissem tantos tabus e preconceito. Talvez dessa forma passássemos por todas as fases com mais aproveitamento e segurança.

Mas quem se importa com os mais velhos? Os jovens só querem curtir a vida, o belo, a conquista, as juntas ainda bem lubrificadas, a pele repleta de colágeno, o corpo todo durinho, as tatuagens firmes e ainda nítidas. O verão, as paixões, as primeiras vezes de cada uma das coisas. Nessa fase ninguém costuma ouvir muitos conselhos de mãe, de pai, dos avós. Quer-se vivenciar as próprias experiências - sejam elas as mais acertadas ou não.

O depois... bem, a gente acaba deixando pra depois. Acontece que ele inevitavelmente chega. E detalhe: sem avisar. Não é como uma data marcada no calendário (ou, nos tempos atuais, um lembrete no smartphone ou da Alexa). É assim, de supetão mesmo. Esteja você preparado ou não. Tipo uma alergia alimentar - que até ontem você não tinha e de repente lá está você, andando com antialérgico na bolsa, perguntando pro garçom se a frigideira que usam pra fritar o camarão é lavada antes de fritar a batata. 

Poderíamos até nos enganar dizendo que a idade vai chegando aos poucos, uma leve marca de expressão ali, um cabelinho branco acolá. Se fosse só isso, tudo bem. Porque, de fato, os cabelos não ficam totalmente brancos do dia pra noite (a não ser nesses filmes em que as questões geracionais são trabalhadas de forma cômica e pai e filho ou mãe e filha acordam em corpos trocados e assim permanecem por um tempo até aprender as lições que precisam).

Mas vai muito, muito além disso. Eu não estava preparada para aos 20 e poucos anos ser chamada de tia pela primeira vez por um adolescente. Pelo que me lembro, foi o primeiro choque. Principalmente por parecer tão pouco tempo desde quando EU me perguntava se era ofensivo continuar chamando as pessoas mais velhas assim. Era estranho e soava desrespeitoso chamá-las pelo nome. Já "senhor" ou "senhora" poderia ofender de outra maneira. Muitas vezes eu optava por simplesmente não chamar, tamanho o descoforto.

Ninguém te explica esse tipo de coisa. Aliás, ninguém te explica nada! Percebe o quanto a sociedade não trabalha o tema como deveria? Não te preparam para situações como quando você conhece alguém interessante numa festa e descobre que ela é 7 anos mais jovem que você (sendo que até então todos que você conhecia tinham a mesma idade). Isso aconteceu comigo aos 27 e, acredite ou não, pesou a ponto de as amigas dela me apelidarem de "Flávia dos 27" ou algo assim. 

Mas curioso mesmo foi o fato de imediatamente após isso (ainda com a mesma idade) eu ter conhecido um outro alguém que me colocou na posição oposta. Ela tinha 39. Agora a oportunidade de fazer disso uma questão estava novamente posta à mesa e nós, obviamente, a aproveitamos. Ela se sentia mal por eu ter quase a mesma idade da sobrinha e as minhas amigas me zoavam - mesmo uma que curtia mulheres mais velhas. Mas eu me sentia mais confortável nesse papel do que no outro onde eu era a mais velha (por que será?!).

Podemos aprender muita coisa e aproveitar bem mais a vida quando nos permitimos transcender essas barreiras veladas sobre relações intergeracionais. Não tô dizendo que só devemos nos relacionar com pessoas de outras faixas etárias, não é isso. Mas que privar-se disso é puro preconceito. Tabu. Ou desconhecimento mesmo.

Eu vivenciei esse tipo de relação duas vezes (essas que comentei) e nunca me arrependi. Com a menina mais jovem, apesar de breve, foi legal e aprendi que aos 20 as pessoas já podem ter bastante maturidade - até mais do que outras com 27 (era o caso e eu admito). Já com a mulher mais velha, tive experiências incríveis e marcantes - independente de como tenha sido o desfecho da história. [Se tem uma coisa que eu felizmente aprendi a fazer é guardar experiências e não pessoas... e é bom, viu? Fala pra sua mágoa aí que é totalmente possível. A não ser que você seja canceriana, daí não fala não. Não vai funcionar...rs]

Dessas coincidências que a gente às vezes nem acredita: acabei de dar uma pausa no texto e abrir o instagram (um dos hábitos do mundo pós-moderno) e me deparei com a notícia de um perfil de fofoca: "Sabrina Sato é vítima de etarismo após assumir romance com Nicolas Prattes". Vou me restringir a um único comentário porque o intuito desse texto é outro: a não espetacularização das relações intergeracionais provavelmente seria uma das características de uma sociedade mais madura e justa. 

[Aviso de gatilho]

Sabe, acho que de todos os meus maiores medos, o que está no topo da lista é perder minha mãe. E idade tem relação direta com isso. Afinal, é algo naturalmente impossível: envelhecer com os nossos pais. De repente, se sua mãe te deu à luz na adolescência, até podem se acompanhar por bastante tempo (já vi casos assim). De qualquer maneira, o "juntos até o fim", como acontece com casais, nem a natureza e muito menos a ciência permitiram ainda.

Minha mãe diz que o dia mais triste da vida dela foi quando a vovó morreu. O que a ajudou a seguir em frente nesse momento (e também quando ela perdeu meu avô) fui eu. O que me leva a pensar que talvez se eu tivesse filhos... 

Ah! Esse é outro assunto que tem, infelizmente, muito a ver com idade - bom, pelo menos para as mulheres. A começar pela questão biológica: homens podem ser férteis durante toda a vida. Mulheres já nascem com uma quantidade única de óvulos que, após a primeira menstruação, vão sendo liberados mensalmente (a cada ciclo menstrual) até se esgotarem completamente. Então, toda a mulher que quer ter filhos encara esse sentimento de relógio biológico, somado à pressão da família, da sociedade, etc.

Que texto mais deprê, não é mesmo? Gostaria de conseguir falar sobre as belezas da vida, que são tantas, relacionadas à passagem do tempo... e como cada fase que vivenciamos nos traz novos e diferentes aprendizados. Sei que também existe esse lado - prova disso é que eu não trocaria meu eu de hoje com 39 por nenhum outro meu do passado. Mas na hora de falar sobre o tema, o que pesa é medo, algumas frustrações e - pelo menos - quase nenhum arrependimento.

Ainda que o amanhã me assuste e eu ainda olhe mais do que deveria para o passado; ainda que eu continue optando por filmes de ficção científica cujo enredo perpasse por viagem no tempo e fugas intergaláticas, numa tentativa desesperada de escapar da minha própria realidade e driblar os implacáveis efeitos do tempo; mesmo que até hoje eu inconscientemente alimente o sentimento de abandono da garotinha que buscava a presença e a aprovação que nunca vieram do pai... acho que me saí bem.

Com as armas que eu tinha em mãos, me defendi como pude. Evoluí como ser humano. Enquanto tropeçava e me descobria, me preparava sem saber para a vida. Tive que me construir sozinha (em alguns sentidos) e mais adiante me descontruir muitas vezes. Para chegar ao que sou hoje, alguém de quem sinto orgulho. 

Não sou perfeita, estou bem longe disso, mas me aceito. Aprendi a me acolher, porque ninguém mais poderia fazê-lo por mim. Espero continuar dando passos rumo ao meu eu do futuro, sabendo que o meu eu do hoje já deu orgulho ao do passado. Bem ao estilo terapia holística /constelação familiar / coaching, se eu encontrasse a Flavinha criança, sentaria ela na minha frente e diria: 

"Tudo bem você se sentir diferente - todos se sentem de um jeito ou de outro";

"O fato de seu pai e sua mãe não terem formado uma família não significa que o que você tem aqui não seja uma. Família é amor e isso você tem de sobra"; 

"Você vai ter que aprender algumas coisas sozinha, mas não porque seus pais são burros ou não querem te ensinar, mas porque as experiências deles simplesmente foram bem diferentes das que você vai ter. Mas não se preocupe, você vai se sair bem";

"Na adolescência, seu pai vai te ensinar a beber álcool. Não precisa usar isso como uma forma de seguir os passos dele numa tentativa de aproximação à figura de pai. Beber vai te fazer mal de tantas formas que você nem imagina e só vai descobrir muuuuuito tempo depois";

"Em algum momento, alguém vai falar sobre Espiritismo. Não tenha medo, é algo bom. Vai te salvar quando você for adulta, mas de repente pode te salvar bem antes. Quem sabe"; 

"Seu corpo não é feio, você é capaz, amigo de verdade não te machuca, a vida vale a pena mesmo nos momentos mais difíceis, aproveite o máximo de tempo que puder ao lado de sua avó e guarde seus brinquedos - um dia eles vão virar relíquia e pessoas vão vender a preços absurdos chamando-os de retrô";

"NUNCA pare de escrever, isso também vai te salvar - mais adiante você entenderá";

"Se esquecer de tudo isso, tudo bem. Essa conversa com certeza será mais transformadora para mim do que para você".


"Agora vou indo porque ainda existem novas folhas em branco para serem preenchidas."


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