Sobre o meu vazio



Hoje eu preciso escrever. Não é como se eu quisesse produzir um texto engomadinho. Nem como se eu tivesse finalmente colocando no papel (no caso, no teclado) uma ideia que já nasceu pronta dentro de mim. Aliás, normalmente é como geralmente acontece: engravido de algum projeto (quase sempre uma crônica ou - minha mais recente aventura - um conto), vou gestando-o enquanto a vida acontece até que, finalmente, vou lá e escrevo.

Mas desta vez, não. Desta vez, existe uma dor profunda e eu quero muito (MUITO!) conseguir transformá-la em palavras. Quem sabe assim diminua um pouco. O problema é que eu não sei falar de minhas dores emocionais. Me dê qualquer tema que consigo desenrolar, mas aquele com o qual convivo diariamente desde que nasci, eu ainda pareço desconhecer.

Eu não sei me ler e então, busco leituras que de alguma forma falem sobre mim. Inclusive, me identifiquei tanto com o último que quase poderia tê-lo escrito: "Não pise no meu vazio". Com um pequeno grande detalhe: a psicanalista e autora Ana Suy parece saber lidar melhor com o seu próprio vazio do que eu. Ou, ao menos, protegê-lo melhor que eu. Sim, porque eu sempre tentei preenchê-lo a todo custo. Ainda hoje, taquei vinho nele. Costumo tacar tudo que posso nele... livros, novelas, filmes, mãe, namorada, trabalho, música, amigos.

Só que hoje não. Só para variar um pouco, decidi ao menos tentar encará-lo. E antes que eu mesma argumente que essa poderia ser mais uma tentativa de tapá-lo, já me adianto e me defendo informando que estou refletindo sobre isso neste momento e acredito que não. Não se tapa um vazio falando sobre ele. Ou se tapa? Bem, caso a resposta seja afirmativa, ao menos estou tentando - ao contrário de todas as outras vezes nas quais eu simplesmente ignorava a existência dele.

A propósito, obrigada Ana Suy, por me inspirar a olhar para o meu vazio. Só não dedico mais espaço em meu texto para elogiar seu incrível trabalho porque, isso sim, seria uma fuga bastante criativa. Mas que ele jogou luz nesse buraco negro, ele jogou. Eu só não sei o que fazer com isso. Talvez não tenha o que ser feito. Quem sabe eu nem deva fazer nada e seja exatamente sobre isso... deixar ele existir, entrar em comunhão com ele após uma vida negando sua existência, tapando-o com tudo que via pela frente. 

Hoje eu decidi encarar o meu vazio e ignorar uma regra de infância muito importante, a de não falar com estranhos. Entretanto, me convenci que, na verdade, ele não é tão estranho assim. Não pode ser, uma vez que sempre esteve tão perto. Sempre. Quando minha prima ia embora depois de passar uma semana toda brincando comigo, ele aparecia e eu chorava copiosamente. Então ia desenhar, escrever ou assistir um desenho animado na TV. Quando um relacionamento esfriava. Quando terminava. Quando a festa acabava. Entre um hiperfoco e outro. Nos dias de domingo... sobretudo à noite, como agora.

Como posso não ter a menor intimidade com algo ou alguém com quem convivo a vida inteira? Talvez porque eu realmente não acreditasse em sua existência. "Como assim um vazio se eu tenho tudo? Tenho família, tenho amor, tenho amigos, um emprego que me proporciona bens materiais..." e assim seguia me enganando, virando as costas para o meu vazio que, ignorado, se escondia para não incomodar ou assustar.

Mas hoje ele está aqui. Neste momento, encontra-se bem na minha frente. E sabe o que é pior? Eu ainda não sei o que lhe dizer. Na verdade, penso haver tanta coisa a ser dita que nem sei por onde começar. Ou se conseguirei.

Ao menos, finalmente o aceitei por inteiro. Não quero mais mudá-lo ou preenchê-lo. O aceitei como parte de mim, provavelmente uma bem importante. Ainda que permaneçamos calados, me esforçarei para que não seja um silêncio constrangedor. Pretendo acolhê-lo com respeito e amor a partir de hoje. 

E talvez ... o vazio nunca tenha sido uma falta, mas sim o único espaço nesse universo onde eu poderia caber por inteiro.



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