Uma tática diferente...
Ontem saí do trabalho no horário costumeiro e não quis pegar um fresquinho (o transporte é mais rápido e confortável, mas muito caro). Então peguei uma linha comum mesmo, um a das duas que não costumam encher até meu destino. Lá no fundão sentei ao lado de uma mulher magra, franzina, cabelos curtos e expressão de cansaço, abatimento. Um menino dormia (ou descansava) com a cabeça em seu colo. Ela tinha em mãos uns papéis desses que são distribuídos por pedintes nos ônibus. "Deve ter distriuído e agora volta pra casa", pensei.
Ela me olhou, olhou para os papéis. Me olhou novamente, olhou para os papéis. "Ih... acho que ela vai me dar um desses recadinhos", retruquei comigo mesma. Não deu outra. Ela entregou o papel a mim e a um rapaz que sentava no banco da frente (talvez para disfarçar). Dei R$1,00 a ela, que me agradeceu com um sorriso bastante simpático. Que bom. Nada pior que fazer uma doação e receber um olhar de "só isso?", seguido de nenhum agradecimento.
De um silêncio sepulcral, um comentário dela:
- Esses ônibus só vem lotados, né?
- Até que esse e o Canarinho não passam muito lotados. Por isso costumo pegá-los.
Começamos a conversar. Nos primeiros instantes a observava com olhos de Paulo Roberto (meu professor de jornalismo impresso I e II), lembrando de seus sábios conselhos: "Prestem muita atenção em tudo e em todos, pois de momentos comuns às vezes surgem grandes perfis". Ele é fã de perfis - reportagens especiais sobre alguma personalidade, famosa ou não. Uma espécie de biografia.
De ônibus lotados, e com meu interesse jornalístico aflorando a cada segundo, passamos a falar dela, mais especificamente. Quantos filhos tem, como sobrevive, onde mora, etc. Após abortar naturalmente duas vezes, ela conseguiu ter duas crianças: um menino (que estava com ela naquele momento), o mais velho, e uma menina (que ela deu para uma família de melhor condição financeira). Sobrevive de esmolas que pede nos ônibus.
- E dá pra viver com o que você ganha?
- Dá sim! Eu compro leite, açúcar, pão... E ainda tenho sorte pra achar as coisas! Outro dia esse aqui passou por uma nota de R$10,00 e não viu. Eu corri e agarrei! Disse pra ele: 'Meu filho, quer comer churrasquinho?' e ele respondeu: 'Quero, mãe!', aí a gente foi comer. E é assim...
Um dos maiores erros de um jornalista é se envolver com as fontes. A regra é: apurar, relatar e informar. Notícias, notícias, sentimentos à parte. Certo? Marinheira de primeira viagem, ignorei o ditame e continuei.
- Vocês tem o que comer hoje, quando chegar em casa?
- Não... - disse com o olhar mais brilhoso de cachorro pidão que já havia recebido - Mas ainda vou distribuir esses papéis...
- Espera.
Tirei uma nota de R$2,00 da bolsa e entreguei a ela.
- Só não te dou mais porque não tenho, tá?
- Obrigada, moça!! Que Deus lhe abençoe, lhe dê muita saúde, lhe dê em dobro! Deus lhe recompense!
Eu levantei do banco me sentindo a personificação do altruísmo. Meu coração transbordava de uma estranha alegria. Havia feito minha boa ação do dia e ninguém precisaria saber. Até porque, sempre acho que quando alguém conta o sentido da boa ação vai por água abaixo. De altruísmo passa a ser demagogia.
Quando levantei, um senhor sentou em meu lugar. Dei o sinal e fiquei esperando a parada em pé na porta, ainda perto da mulher. Alguns segundos antes de descer, escuto a voz da nossa personagem:
- Esses ônibus só vem lotados, né?
[...]
Ela me olhou, olhou para os papéis. Me olhou novamente, olhou para os papéis. "Ih... acho que ela vai me dar um desses recadinhos", retruquei comigo mesma. Não deu outra. Ela entregou o papel a mim e a um rapaz que sentava no banco da frente (talvez para disfarçar). Dei R$1,00 a ela, que me agradeceu com um sorriso bastante simpático. Que bom. Nada pior que fazer uma doação e receber um olhar de "só isso?", seguido de nenhum agradecimento.
De um silêncio sepulcral, um comentário dela:
- Esses ônibus só vem lotados, né?
- Até que esse e o Canarinho não passam muito lotados. Por isso costumo pegá-los.
Começamos a conversar. Nos primeiros instantes a observava com olhos de Paulo Roberto (meu professor de jornalismo impresso I e II), lembrando de seus sábios conselhos: "Prestem muita atenção em tudo e em todos, pois de momentos comuns às vezes surgem grandes perfis". Ele é fã de perfis - reportagens especiais sobre alguma personalidade, famosa ou não. Uma espécie de biografia.
De ônibus lotados, e com meu interesse jornalístico aflorando a cada segundo, passamos a falar dela, mais especificamente. Quantos filhos tem, como sobrevive, onde mora, etc. Após abortar naturalmente duas vezes, ela conseguiu ter duas crianças: um menino (que estava com ela naquele momento), o mais velho, e uma menina (que ela deu para uma família de melhor condição financeira). Sobrevive de esmolas que pede nos ônibus.
- E dá pra viver com o que você ganha?
- Dá sim! Eu compro leite, açúcar, pão... E ainda tenho sorte pra achar as coisas! Outro dia esse aqui passou por uma nota de R$10,00 e não viu. Eu corri e agarrei! Disse pra ele: 'Meu filho, quer comer churrasquinho?' e ele respondeu: 'Quero, mãe!', aí a gente foi comer. E é assim...
Um dos maiores erros de um jornalista é se envolver com as fontes. A regra é: apurar, relatar e informar. Notícias, notícias, sentimentos à parte. Certo? Marinheira de primeira viagem, ignorei o ditame e continuei.
- Vocês tem o que comer hoje, quando chegar em casa?
- Não... - disse com o olhar mais brilhoso de cachorro pidão que já havia recebido - Mas ainda vou distribuir esses papéis...
- Espera.
Tirei uma nota de R$2,00 da bolsa e entreguei a ela.
- Só não te dou mais porque não tenho, tá?
- Obrigada, moça!! Que Deus lhe abençoe, lhe dê muita saúde, lhe dê em dobro! Deus lhe recompense!
Eu levantei do banco me sentindo a personificação do altruísmo. Meu coração transbordava de uma estranha alegria. Havia feito minha boa ação do dia e ninguém precisaria saber. Até porque, sempre acho que quando alguém conta o sentido da boa ação vai por água abaixo. De altruísmo passa a ser demagogia.
Quando levantei, um senhor sentou em meu lugar. Dei o sinal e fiquei esperando a parada em pé na porta, ainda perto da mulher. Alguns segundos antes de descer, escuto a voz da nossa personagem:
- Esses ônibus só vem lotados, né?
[...]
E por falar em estratégias publicitárias...rs
Bom, se foi tática - mesmo que inconciente - valeu pela sapiência. Afinal de contas, o "eu poderia estar roubando, poderia estar matando, mas estou aqui pedindo qualquer quantia em dinheiro..." já não cola mais, né, gente?
Comentários
Um abraço moça.
E as nossas boas acções vão esvaziando os nossos bolsos! Querida Flávia no todososdias tenho um presente para ti, passa lá para retirá-lo. AQUELE BEIJINHO SEMPRE TÃO ESPECIAL.
Obrigadíssima pela força. Realmente é um momento muito difícil, você sabe, mas a saudade, com o tempo, deixa de ser tão doída.
Beijo!
Bjos com sabor de solidariedade!