Delírios consumistas no consultório médico

Acho que todo consultório médico deveria ter livros ao invés de TV ligada e revistas de fofoca. Aliás, essas em especial. Elas ativam uma parte muito consumista do nosso cérebro e pode causar delírios. É sério.

Com a consulta desmarcada um milhão de vezes por conta da correria diária, hoje finalmente arrumei um tempo para cuidar da minha saúde, pedir exames de rotina e essas coisas que toda mãe recomenda e a gente raramente ouve.

Sentada na sala de espera, sem meu fone de ouvido que hoje havia esquecido em casa, olhei para o lado e elas me fitavam. Desconfiadas, as revistas de fofoca queriam interagir comigo e eu relutando. Até que o tédio... tá, confesso... até que uma bizarra curiosidade pela vida alheia tomou conta de mim. E eu capturei uma, furtivamente. As outras moças ao meu lado nem desconfiaram. Entre tantos papos de doenças, nem me notaram. E eu mergulhei num universo novo, nunca antes explorado por mim: o mundo do GLAMOUR.

Soube da vida de muitos famosos. Me deparei com boatos, meias-verdades e até verdades que não tão raramente aparecem em forma de depoimentos (é minha forma de acreditar, ok? Não signifca que uma matéria sem aspas não possa ser verdadeira. Apenas penso que jornalista algum da imprensa marrom vai querer ser preso por calúnia ou difamação, não é mesmo?). Até que, de repente, meus olhos brilharam por algo totalmente indústria cultural. Por alguns longos minutos mergulhei num sonho completamente novo: a vontade de viajar num transatlântico caribenho. "Freedom of the Seas" é o nome dele.

Imaginem um navio de 15 andares com várias piscinas, sendo uma com um telão, outra com hidromassagem e outra com ondas artificiais. Parede de escalada, pista de corrida, cassino, spa, academia, cinema, teatro, patinação no gelo, sala de karaokê, sala de charutos e - que louco!!! - uma rua chamada "Royal Promenade" que funciona como um shopping center com bares, restaurantes e lojas. 



Imaginaram? Pois é. Foi por lá que eu viajei hoje à tarde. Sem sair da cadeira. Tudo isso porque a Revista Quem, que banca viagens nesse famoso transatlântico, decidiu entrevistar a atriz Fernanda Machado, que conheceu o atual namorado no Rio de Janeiro, enquanto ele dava aulas de inglês na cidade maravilhosa para uma creche da Favela da Rocinha. 

Ela havia sido convidada para fazer um teste para trabalhar num filme no exterior e percebeu que o inglês não estava tão bom assim. Começou a ter aulas com Robert Riskin, o americano altruísta. Por conta de alguns problemas pessoiais acabou não aceitando o papel, mas ganhou no lugar o novo namorado. 

Então a Revista Quem a entevistou e bancou a viagem deles no luxuosíssimo "Freedom of the Seas". Uma matéria de duas folhas frente e costa, mais umas duas só sobre o transatlântico (óbvio que a viagem foi muito bem paga pela propaganda que deve ter custado two million dollars) e missão cumprida: curiosidade pela vida alheia sanada e mais uma pobre mortal sonhando acordada, totalmente capturada pela teia do capitalismo selvagem. Tsc, tsc, tsc...

Imagina só você nesse cruzeiro, deitado (a) na piscina do transatlântico só de de biquini (ou sunga) de óculos escuros, curtindo umdelicioso prosecco...

Surreal?

Não, meu bem. Surreal é sair do consultório médico depois de um dia inteiro de trabalho árduo, ir pra parada de ônibus e ainda encontrar uma ex esnobe de um ex seu e ficar torcendo pra ela não te ver. Isso que é surreal.

Comentários

Dom Rafa disse…
Nada contra quem lê essas revistas, mas eu acho meio ridículo perder tempo para saber o que celebridade faz. Pra me interar sobre isso, tem um blog chamado "te dou um dado" que é infinitamente melhor do que qualquer CARAS.
Eu já trabalhei em uma quase revista de fofoca, que tratava de celebridades locais querendo aparecer. É pior ainda! A expressão que as desconhecidas donas de loja amam, "gente que acontece" me embrulhava o estômago. Tudo bem, havia reportagens bem interessantes sim. Mas as festas de princesas, casamentos de ricaços velhos, e as 7-8 "festas do ano" eram ridículas.
Ainda bem que, na maioria dos meus médicos aqui, tem revista de carro. É o meu transatlântico pessoal e um dia eu ainda vou ter um KIA SOUL.

Beijos, Flavinha!
L.S. Alves disse…
A caras tem uma sessão de aforismos e outra sobre origem das palavras, ou seja, nem tudo está perdido.

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