"Viver a Vida" do jeito que o 'plim-plim' quer

Mesmo não sendo noveleira (na verdade televisão é algo profundamente entediante pra mim), a nova de Manoel Carlos, "Viver a Vida", tem me chamado atenção. A protagonista Luciana, (interpretada pela atriz Alinne Moraes) mimada e em pleno deslanchar de sua carreira de modelo, sofre um drástico acidente de carro que lhe deixa tetraplégica.

A lição de esperança, força de vontade e superação é - de fato - uma boa faceta do tema central da trama. Mas, não sei... há alguma coisa de não-convincente aí. Primeiro que dentro do Projac pobre leva vida de rico. Perdoem-me os defensores do "plim-plim", mas o padrão de pobreza que eu conheço é outro. Segundo que, de alguma forma, sempre é passada essa idéia de resignação que não engulo. Os vilões quase sempre são ricos e os mocinhos pobres e felizes que fazem festa o tempo todo, vivem rindo, se divertindo. "Pobre é que é feliz". Será que é mesmo assim ou... é o que o sistema acha conveniente que pensemos?

Deve ser porque Deus quis...

 
"Diz que deu
Diz que dá
Diz que Deus dará
Não vou duvidar, oh nega
E se Deus não dá
Como é que vai ficar, oh nega
Deus dará, Deus dará"





Outra: acho ótimo que a sociedade encare a situação mais de perto, que os deficientes se identifiquem com o cotidiano da Luciana (como, se ela é rica?), dificuldades, decepções, superações, etc. Mas o autor deveria - não sei se ainda vai - colocar em tese a (falta de) infraestrutura urbana para essas pessoas. Só no Rio de Janeiro - cenário da trama - entre os mais de 5,8 milhões de moradores do município, pelo menos 14% sofrem de alguma limitação física ou mental (Censo 2000, IBGE). E mesmo com a estatística elevada, não há um número suficiente de transportes públicos adaptados. Em contrapartida, há ruas e avenidas esburacadas, desniveladas, calçamentos irregulares e o pior: sem sinalização - o que se torna problema até para o restante da população.

E como tudo nessa vida tem um lado positivo...

  • Algo que tem sido repetido, nos capítulos que acompanhei, ajuda no combate ao preconceito: "Foi com ela, mas poderia ter sido comigo".
  • Palmas também à velha receita de lágrimas do Manoel Carlos de colocar depoimentos reais de pessoas que passaram por processos de superação.
E acompanhemos o desenrolar de mais essa novela  com a primeira Helena negra da teledramaturgia Manoeliana.


Comentários

Raíssa disse…
Concordo com tudo o que falaste e já tinha analisado a coisa toda da mesma forma. E se ser pobre no Brasil (e no mundo) fosse como o projac mostra seria tudo tãao bom. ¬¬'
Outra coisa, sem muito a ver com o post, se queriam uma Helena negra, bem que poderiam ter chamado uma boa atriz, porque a atuação da Thaís Araujo tá uma bosta.
L.S. Alves disse…
Novela não dá pra levar a sério mesmo. e creio que a idéia é alienar bem o povo. Mas o problema maior mesmo é a falta de criatividade. Todas são previsíveis e maniqueístas.
Um abraço moça.
Claudiana Soares disse…
Vejo, nos casos novelescos, o processo inverso. Não retratam o real, o real é que vive a copiar a dramaturgia do "plin plin". Entre estilos, frases feitas, roupas e dramas sobrevive a ignorância da falta de estilo próprio. Quanto aos exemplos, estão aí, diariamente, basta olharmos um pouquinho mais pro lado. Quanto a Helena, essa nova do Maneco, deixa muuuito a desejar, tanto em história quanto em atuação. Quanto ao texto, vc Flávitcha, continua maravilhosa. Beijos enormes
Aires disse…
Discordo da Claudiana, a novela imita sim a vida, pois a vida veio antes de surgirem as novelas.
Essas vidas fictícias nasceram justamente para que possamos ver como a vida dos outros se parece com a nossa, e mostrar o como é bom sonhar em ser rico. Agora, o que as mentes "perturbadas" pretendem fazer "baseando-se" no que vêem na TV aí sim dá medo.

Quanto as limitações físicas ainda não terem um suporte melhor, acredito que isso não aconteça nunca nem 80% por sempre tem o que melhorar e o que mudar, mas diria que já melhoramos muito.

Quanto aos transportes para deficientes físicos tenho um relato.
Uma vez parada em um semáforo de 3 tempos, bem na hora de abrir o sinal, um cadeirante pediu pra subir no ônibus, e demora um pouco, os carros atrás fizeram uma sinfonia de buzinas. E o ônibus é sinaliza de que um cadeirante está entrando.

Isso sim é falta de educação e humanitarismo.


Beijos.
Lu Vieira disse…
Para tornar a novela mais próxima da realidade, espero que o autor coloque personagens com a mesma situação da Luciana com a diferença de serem pobres. A Luciana é rica e possui recursos para o seu tratamento. Como é a vida de quem não tem tanto dinheiro? Esses personagens poderiam aparecer quando a Luciana tiver o desejo de conhecer outras pessoas tetraplégicas.

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