Carta a mim



"Desculpe, estou um pouco atrasado. Mas espero que ainda dê tempo de dizer que andei errado e eu entendo..."

Estou com essa música na cabeça e... após algum tempo de terapia, aprendi a raciocinar sobre tudo, a subjetificar tudo. Eis que acredito estar um pouco atrasada em relação a alguma coisa em minha vida. Não sei exatamente a quê.

Há muito que essa estranha sensação de que estou fazendo as coisas de forma errada me persegue. Antes, eu vivia tudo tão intensamente, mas me perdia em minha própria intensidade. Hoje, já mais calma e dona de mim, sinto a minha falta e, como diria Nando Reis, "a falta é a morte da esperança".

P.S.: Acho que amanhã meu analista vai ter muito material para trabalhar...rs

Aliás, revelei na última sessão de análise que sou uma apaixonada por cartas. Durante praticamente minha adolescência inteira eu as escrevia. Quase sempre, às minhas melhores amigas, mas outras pessoas que passaram pela minha vida também foram contempladas. Ex-namoradas, minha mãe, tias, conhecidos a quem eu gostaria de dizer algo mas não me sentia confortável em fazê-lo ao vivo e a cores.

Enfim, esse era o meu meio favorito de comunicação. Era? Bem, eu nunca mais as escrevi. Para ser bem honesta, eu nunca mais escrevi absolutamente nada com mais de uns dois ou três parágrafos (publicações no instagram contam?).

Talvez essa parte de mim seja como uma daquelas cartas engarrafadas e  jogadas ao mar - comuns em séculos passados - sem a certeza de que seriam encontradas e, menos ainda, se encontrariam o destinatário. Me pergunto qual seria o meu. 

O fato é que me sinto engarrafada. Talvez algum dia alguém me encontre e me salve. Talvez esse alguém seja meu eu do futuro. Que pode estar bem próximo ou daqui a alguns anos, algumas encarnações. 

Quem sabe? Meu analista?  Ele dirá que não. Eu? Quem me dera! Bem, alguém deve saber. Ou não. Algumas coisas passam uma eternidade sem serem reveladas e tudo bem. Li em um algum lugar na internet que apenas 3% das cartas eram encontradas. Pura sorte. Ou destino, pra quem acredita.

Mas, voltando à música... "a falta é a morte da esperança." Interessante essa frase. Pois falta pra mim é vazio...  só que ele coloca como a morte da esperança. Por que será? Morte soa como algo tão definitivo. E é (exceto para os espíritas e eu sou espírita, mas... bom, acho melhor não complicar ainda mais essa análise! rs).

De qualquer maneira, ainda tô achando muito exagero considerar falta como a morte da esperança. Afinal, tudo que falta pode não faltar mais em algum momento, não? Um relacionamento que acaba pode recomeçar. Uma fase ruim pode dar lugar a outra melhor. Se alguém viaja, pode retornar. Se a grana tá curta, pode pintar um dinheirinho extra, inesperado. De qualquer forma, Nando é bem taxativo.

Ah, espera. Se a esperança morre com a falta, ele pode estar se referindo a uma falta bem específica, sem ser a física, carnal. Como aquele adeus do término de uma relação que já se sabe findada antes mesmo de estar. Fica só o vazio, as lembranças. Mais acima falei sobre recomeçar mas, sabemos, nem tudo é passível de recomeço. 

Na verdade, até os recomeços são questionáveis se considerarmos o pensamento de Heráclito de que o mundo é um fluxo e nada permanece idêntico - tornando impossível banhar-se no mesmo rio duas vezes. Nesse sentido, todo fim é realmente um FIM. 

Eu voltei com alguém com alguém com quem eu já havia me relacionado, mas sinto que iniciamos uma nova relação. Voltar para a outra, nem que quiséssemos teria sido possível. É, Nando, parece que estou me aproximando aos poucos da sua carta lançada ao mar. :)

"Amor, eu sinto a sua falta". Sabemos que ele considera (e agora eu também) a falta como a morte da esperança. Ok. Mas de quem ele sente falta? Ou a pergunta seria... do quê?! Talvez a chave esteja exatamente aí.  

Eu explico. Mas antes, preciso contar que uma amiga julga essa parte específica da letra: "Como o dia que roubaram seu carro deixou uma lembrança". Justamente por achar que ele compara o vazio da falta de alguém à falta de um carro. Putz, será que ele seria tão insensível assim? Sendo ele um poeta, um querido, um romântico...! A conta não fecha.

À primeira vista, eu também interpretava dessa forma. Mas sabe o vazio da ausência do amor? Algo que esteve ali durante tanto tempo e, de repente, não estava mais. Quase como um furto mesmo.  

Vamos tentar juntar mais pontos. Tem ainda a parte em que ele se questiona por onde andou enquanto ela o procurava. Eu não acredito que ele tenha feito como Belchior e sumido no mundo, deixando roupas e carros estacionados em hotéis pelo Brasil afora. Então definitivamente, não é uma falta física! 

Sendo assim, o sujeito da frase (esse "amor" do qual ele diz sentir falta) pode ser justamente o sentimento. Se falta é morte e ele sente falta é porque algo morreu mesmo. Dentro dele, possivelmente. Porque ele também dá indícios de que se doava menos do que gostaria na relação: "e o que eu te dei foi muito pouco ou quase nada...".

No fim, a lembrança do carro perdido foi só um recurso que ele utilizou para facilitar o entendimento do tal vazio. 

Ufa! Nando Reis não é um insensível, graças a Deus! A humanidade tem salvação! Talvez amanhã eu compartilhe com a amiga meus devaneios e ela mude de ideia também. 

Mas... eis que essa é uma carta para mim, então preciso subjetificá-la a partir de mim, não é mesmo? E parar de fugir. 

Eu sinto a minha falta. Por onde eu tenho andado enquanto eu me procuro? E será que eu sei que eu sou mesmo tudo aquilo que me faltava?

Eita que agora aluguel um triplex na minha mente! Olha aí, analista, não é so você que faz isso comigo, viu? Hahaha... Ele poderia dizer: "sinal de que a terapia está fazendo efeito"...rs

Mas vou precisar encerrar essa carta por aqui, pois apesar de estar sozinha (minha mãe foi pra casa da minha tia passar uns dias) e apesar de eu ter "todo o tempo do mundo" ("Tempo Perdido", Legião Urbana - hoje eu tô só nas referências do rock nacional...heheh), estou com fome e a namorada me convidou para almoçar na casa dela.

Informo aos navegantes que a carta endereçada a mim foi encontrada. Agora o que eu vou fazer com ela, esseé o ponto. Talveza jogue de volta ao mar, para que outro ser humano a encontre. Quem sabe. 

Flávia Lima, em 04/02/2024.

São José - SC - Brasil

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