Postagens

Mostrando postagens de setembro, 2025

O hábito secreto

Rubinho adentrou a pequena porta com certa naturalidade, como se assim o fizesse sempre. Percorreu o pequeno corredor de paredes úmidas, emboloradas, com rachaduras e rastros do que um dia havia sido uma pintura - e, ao final dele, avistou outro homem, que subitamente o olhara de relance. "Ufa! Não era nenhum conhecido!", pensou, soltando uma respiração forte, de alívio. Foi se aproximando aos poucos, sentindo um misto de timidez e curiosidade, perguntando-se qual falaria mais alto. Não fazia aquilo desde os tempos da escola que, aliás, não lhe serviu para muito além de concluir o ginásio e conhecer a primeira namorada (com quem casou-se e teve cinco filhos - três moleques fortes e duas belas e prendadas meninas). Mas nunca esqueceu da sensação, que guardara apenas para si. Afinal, se a rapaziada do clube ao menos imaginasse uma coisa dessas, ele jamais voltaria a ter paz. "Maricas" seria um elogio perto do que lhe chamariam. O outro continuou o que estava fazendo, ...

Diagnóstico | "Dar nome às coisas"

Imagem
Desde o princípio, antes mesmo da palavra, nosso corpo já falava. Um gesto podia ser um alerta. Um olhar, um abrigo. Um grito poderia representar a fronteira contra um perigo iminente. Mas hoje, enquanto arrancava a pele dos meus dedos até sangrar (uma mania antiga), descobri que essa dor tinha um nome: dermatotilexomania. E o que era apenas hábito obsessivo e dolorido, tornou-se coisa nomeada. E ao ganhar nome, ganhou também peso, contorno, presença. Foi aí que me perguntei: em que instante da história o ser humano decidiu batizar as coisas? Quando se deu conta de que nomear não apenas organizava a vida, mas também, de certa forma, a criava? Há quem diga que só existe aquilo que podemos nomear. O "nome" é como um sopro que arranca algo do invisível e o firma na terra. Sem ele, tudo é sombra, sem rosto ou distinção. A filosofia e a psicanálise sabem bem disso: nomear é separar sujeito de objeto, traçar fronteiras entre mim e o outro, sustentar a diferença que nos permite exis...