Causo de ônibus



Eu estava no Dona Wanda das 6h15. Sim, esse é o nome da linha de ônibus. Aqui em Santa Catarina eles adoram dar nomes de gente pras coisas. Tem o Dona Adélia, a padaria Vó Bia, o comércio do Seu Nascimento, o Sacolão do Renato… vixe, a lista é grande — mas a história é outra.

Seguia para o trabalho e, apesar de ainda estar mais dormindo que acordada, senti o habitual nojinho das barras do ônibus. Aproveitei que o motorista tinha parado para ajudar a embarcar uma cadeirante e resolvi dar uma limpada nas mãos antes de voltar a segurar naquele condomínio de bactérias.

Puxei da mochila meu mini–refil de álcool líquido (mais fácil de repor que o gel) e virei para o lado do corredor, onde não havia ninguém perto o suficiente para se incomodar. Só não esperava que, à minha direita, uma senhora loira de uns 60 anos começasse a tossir.

“Cof, cof, COF!”, ela insistia, teatral, enquanto todas as janelas estavam escancaradas por causa do calorão da alta temporada.

Num primeiro momento, nem passou pela minha cabeça que eu tinha algo a ver com aquilo.

— A senhora está bem? — perguntei.

— Coooof, Coooof, Coooof! — ainda mais dramática.

Comecei a ficar constrangida. Todo mundo já acompanhava a cena shakespeariana.

— O álcool!!! — ela berrou.

— Oi?

— Sou alérgica a álcool!!! E você passou bem na minha cara!!!

Pedi desculpas, expliquei que tinha virado para não incomodar, mas não adiantou. Saí de perto me sentindo péssima. Passei dias — talvez semanas — sem usar meu álcool líquido. Pensei em migrar para o gel, mas o preço sempre me desmotivava.

Até que, num belo dia, testemunhei algo que me fez duvidar da sanidade humana: o senhorzinho católico que passa metade do trajeto encaminhando figurinhas de “bom dia” no WhatsApp, em pé bem na frente da tal senhora “alérgica a álcool”, abaixou-se para pegar na mochila DELE, que estava no colo DELA, um refil de álcool líquido. E maior do que o meu, diga-se de passagem.

Só não esfreguei os olhos para confirmar a cena por motivos de preservação ocular contra bactérias e vírus. Mas foi difícil acreditar. Ri sozinha, incrédula e ligeiramente revoltada. E, para completar, o senhorzinho ainda agradeceu a gentileza dela de segurar a mochila com um aperto de mão — provavelmente ainda molhada de álcool.

Foi ali, em pé no transporte público, antes das sete da manhã, sem café, que entendi: algumas alergias são extremamente… seletivas.

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