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Mostrando postagens de novembro, 2025

A porta

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Foi em meio ao tédio de um dia totalmente ordinário, que minha mente - sempre furtiva e inquieta - me pregou uma peça. Pelo menos era isso que eu pensava. Primeiro tive uma visão bastante aleatória, quase como uma lembrança, dessas que nos tomam assim de repente. Era uma porta. Aberta. Com uma riqueza de detalhes tamanha que senti vontade de desenhá-la. Mas eu nunca tinha sido do desenho. Era das letras. Escritora amadora, mas raiz, dessas que carregam sempre consigo uma caneta e um bloquinho pra cima e pra baixo. Aliás, como eu era cuidadora de idosos, frequentemente me sobrava tempo para escrever, quando eles pegavam no sono. Naquela noite, entretanto, o meu foco era uma vontade incontrolável de contornar, preencher, colorir. Me senti novamente com 8 anos de idade, na época de comprar material escolar. Dona Orlandina, uma simpática senhorinha de 87 anos de quem eu cuidava, tinha acabado de se recolher. Fui até a porta de seu quarto, dando uma rápida espiada para ver se estava tudo be...

Alma caótica

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  A sala era pequena, porém bastante acolhedora. Tinha um sofá gigante, preto, com muitas almofadas coloridas. Havia também um puff triangular bege e um divã vermelho. Só esses móveis já ocupavam quase todo o ambiente. Pelo menos a parte transitável. Pois haviam livros, muitos livros em prateleiras. Marcela observou que nem todos eram sobre Psicanálise. A analista lia literatura nacional e internacional. Tinha cordel, ensaios contemporâneos, mitologia, até poemas.  Durante uns cinco minutos Marcela permaneceu em silêncio, captando a energia do lugar. Certamente não voltaria caso sentisse algo ruim ali. Aliás, aprendera isso com seu marido, Carlos, que era muito espiritualizado. Ele não costumava nem receber pessoas em sua casa, pois sabe-se lá com que energia poderiam entrar, não é mesmo? De raiva, de inveja, de sexualidade em desequilíbrio. Era melhor evitar. - Podemos começar? - Perguntou Marcela, já um pouco desconfortável com o silêncio. - Acha que ainda não começamos? - p...

Poliamor Literário 🫀📚

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- Você lê bastante, né? - Você acha? Nem é tanto o quanto eu gostaria. - Hum... O que costuma ler? - Ah, de tudo um pouco. Desde bula de remédio, até ficção. - Eita... Haha... Mas ficção só lê uma por vez, certo? - Errado. Tenho o costume de ler várias ao mesmo tempo. - Mas... você não se confunde os personagens? - Você conversa com quantas pessoas durante o dia? - Ué, com várias. Por quê? - E você não confunde os assuntos?! - ...

Não leia "Vidas Secas"

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Não leia "Vidas Secas" se for para abandonar Fabiano, Sinhá Vitória, seus dois meninos e a cachorra Baleia pelo meio da estrada, sendo que eles já foram primeiramente abandonados pelo mundo. Não leia "Vidas Secas" se você for uma pessoa seca. Seca de empatia. Seca de sentimento. Seca de sensibilidade, porque já basta a secura do sertão nordestino, a secura da vida miserável. E cada lágrima derramada por esse livro é uma gota a mais de esperança no deserto da humanidade, onde habitam as boas almas. Não leia "Vidas Secas" se não for para sonhar com uma cama de lastro de couro junto com Sinhá Vitória, ou desejar um mundo cheio de carinho e preás para a cachorra Baleia, ou se "enfezar mais" Fabiano com a cobrança absurda de impostos que ele não compreendia e nem sabia direito como perguntar, devido ao vocabulário parco e dificuldade de comunicação de homem matuto. Não leia "Vidas Secas" se estiver esperando grandes acontecimentos ou um ...