Árvore Genealógica

  • Mãe, vou casar!
  • Jura, meu filho ?! Estou tão feliz ! Quem é a moça ?
  • Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Murilo.
  • Você falou Murilo… Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?
  • Eu falei Murilo. Por que, mãe? Tá acontecendo alguma coisa?
  • Nada, não.. Só minha visão que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo ótimo.
  • Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo…
  • Problema ? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora…Ou isso.
  • Você vai ter uma nora. Só que uma nora… Meio macho. Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea…
  • E quando eu vou conhecer o meu. A minha… O Murilo?
  • Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.
  • Tá ! Biscoito… Já gostei dele… Alguém com esse apelido só pode ser uma
    pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui?
  • Por quê ?
  • Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.
  • Você acha que o Papai não vai aceitar?
  • Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver
  • Mas isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade… E olha que espetáculo: as duas metade com bigode.
  • Mãe, que besteira … Hoje em dia … Praticamente todos os meus amigos são gays.
  • Só espero que tenha sobrado algum que não seja… Pra poder apresentar pra tua irmã.
  • A Bel já tá namorando.
  • A Bel? Namorando ?! Ela não me falou nada… Quem é?
  • Uma tal de Veruska.
  • Como?
  • Veruska…
  • Ah !, bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.
  • Mãe!!!
  • Tá…, tá…, tudo bem… Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto…
  • Por que não ? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os
    espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.
  • Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?
  • Quando ele era hétero… A Veruska.
  • Que Veruska ?
  • Namorada da Bel…
  • Peraí”. A ex-namorada do teu atual namorado… E a atual namorada da tua irmã. Que é minha filha também… Que se chama Bel. É isso? Porque eu me perdi um pouco…
  • É isso. Pois é… A Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.
  • De quem ?
  • Da Bel.
  • Mas logo da Bel?! Quer dizer então… Que a Bel vai gerar um filho teu e
    do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é a Veruska…
  • Isso.
  • Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito,
    filha da Veruska e filha da Bel.
  • Em termos…
  • A criança vai ter duas mães : você e o Biscoito.E dois pais: a Veruska e a
    Bel.
  • Por aí…
  • Por outro lado, a Bel…,além de mãe, é tia… Ou tio…. Porque é tua irmã.
  • Exato. E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.
  • Só trocar, né? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.
  • Exato!
  • Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi…
  • Entendeu o quê?
  • Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!
  • Que swing, mãe?!
  • É swing, sim! Uma troca de casais… Com os óvulos e os espermatozóides, uma hora no útero de uma, outra hora no útero de outra…
  • Mas...
  • Mas uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior… Com incesto no meio!
  • A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso…
  • Sei! E quando elas quiserem ter filhos...
  • Nós ajudamos.
  • Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide… A única coisa que eu entendi é que…
  • Que?
  • Fazer árvore genealógica daqui pra frente… vai ser f…!

    (Luiz Fernando Veríssimo)

Comentários

Lis. disse…
Olá amiga Flávia...

Li o texto do Veríssimo que postaste, e veio ao meu pensamento a tal da história bem feita, bem elaborada e composta, porque, precisa alferir bons lucros ao ser vendida.

Se me perguntar
juro que não entendo...
O porque, de certas coisas...

Preferia contar que certa vez, minha avó na época com quase oitenta anos, foi junto com uma amiga da mesma idade, fazer uma tournet pela europa.

No retorno para o Brasil essa amiga teve um derrame, e terminou parando num hospital de Porto Alegre(RS), cidade onde ambas moravam.

O fato é que esse infortunio trouxe como sequela a perda quase que total da memória dessa amiga. Ela voltou a ser criança outra vez, desaprendendo tudo, e sabe o que foi mais interessante?

A minha avó, com quase oitenta anos, ía no hospital todos os dias, ensinar sua amiga -da mesma idade- a LER e a ESCREVER, novamente!

Se me perguntar
juro que não entendo...
O porque, de certas coisas...

Quando eu ainda era criança, a minha tia Jalma, veio de Porto Alegre visitar-nos em São Paulo, e disse para minha mãe dentro da cozinha do nosso apartamento:

Fiz o levantamento da sequência da árvore genealógica da nossa familia, e fiz por eles, (apontando para mim). Caberá à eles no futuro tirar proveito ou não do que fiz. A minha parte já está feita...

Se me perguntar
juro que não entendo...
O porque, de certas coisas...

Mas, prefiro dizer que amor é um legado que passa de pai para filho, assim como qualquer boa herança que um filho possa receber, a diferença está contida apenas na simples resposta, que estou lhe ofertando e que ninguém nunca o fará.
Aires disse…
Hahahahahahahha caramba! A tempos não me divertia com um texto assim.

Adorei! Retrato melhor deste século não há.

Beijos.
Claudiana disse…
Kkkkkkkkkk.
Só podia ser Veríssimo.
Só podia ser você.
Amo-os.
Bjs
Flávia Lima disse…
Lis, também não entendo o porquê de certas coisas. Mas entendo o mesmo que você. Amor é um legado (mais importante que qualquer herança financeira ou genética) que passa de pai para filho. Obrigada pelos comentários que sempre acrescentam uma história, uma opinião relevante! bjs
Flávia Lima disse…
Também amo vc, Clau! E Veríssimo também...rs
beijos
Flávia Lima disse…
Que bom que gostou, Peron! :D
Flávia Lima disse…
Rapha, contenha-se! kkkk
brincadeirinha!! :D
Sammyra Santana disse…
Volteeei Flavinha!
E ri altissimo com esse texto...
"Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea…" kkkkkkkkkkkkkkk
Adorei!
Beijo beeem grande!
Raíssa disse…
O amor é um legado que deve passar de pai para filho, mas nem sempre passa, não é? Ainda mais nas condições do texto (que é excelente por sinal), muitos pais piram com tudo isso.
Mas adorei o texto, simplesmente fantástico. Veríssimo sempre usar suas palavras da melhor maneira.
Beijos!
Flávia Lima disse…
É, Sammyra. Resumiste bem...rs
Que bom que gostou do texto! #D
bjão
Flávia Lima disse…
Raíssa, é por essa maneira de escrever do Veríssimo que o amo tanto! Beijinhos

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