"O que obviamente não presta sempre me interessou muito. Gosto de um modo carinhoso do inacabado, do malfeito, daquilo que desajeitadamente tenta um pequeno vôo e cai sem graça no chão."
Disse que não acreditava em almas gêmeas para ela. Mas depois de um certo tempo, começou a duvidar de suas próprias convicções. Talvez existisse isso mesmo, essa sorte de encontrar pessoas certas. Nunca confessara a ninguém, mas começou a acreditar em destino, tinha vergonha da gozação que fariam seus amigos. Mas sabia que ninguém que cruzasse seu caminho estava ali por mero acaso. Mas sim, para ensinar alguma coisa, para nos transformar, ou fazer com que ajustemos falhas, erros, ou simplesmente paremos para pensar. Sozinho, fumando o seu cigarro, mexia com o dedo indicador o copo de vinho que sempre o acompanhava em algumas noites de solidão, quando batia aquela saudade, quase dor, a espetar-lhe o coração como se espeta um boneco de vudu. Fazia algum tempo que sua mulher o deixara. Era tão estranho a sua ausência, mas lembrar não lhe fazia tão mal. Ao contrário. Tudo havia sido tão especial desde o início que até o primeiro beijo foi inusitado. Menos de três f
E stranho. Incomum. Tudo mudou e eu estou aqui, seguindo a maré. Sem medo de cair do barco ou de ser levada para algum lugar distante, desconhecido. Aprendi a navegar, finalmente. Local de trabalho, família, amigos, relação. Não sei. Tudo é o mesmo de sempre, mas me parece diferente. Um mês no emprego novo, quase dois de separação, alguns amigos se afastaram (naturalmente), outros muito especiais surgiram, entrei em contato com outros de antigos carnavais. Mudança de rotina, de vida. Novas cores. Não sei até que ponto (des)gosto disso. Sempre tive muita dificuldade em enfrentar coisas novas, virar a página. Acontece que, dessa vez, a questão não é a novidade (até porque o processo, que já foi vivido, trouxe coisas boas e ruins) e sim como estou lidando com ela. Aliás... isso é surpreendente: eu estou lidando com ela! Milagre. Ou amadurecimento? Até o simples fato de estar abrindo um pouco minha vida aqui já me faz uma pessoa diferente. Não tenho mais pavor de julgamentos. Muito
Ontem a sessão de análise foi diferente. Iniciei contando coisas boas, avanços íntimos e novidades empolgantes. Desembestei a falar por uns vinte minutos com uma energia e um vigor que normalmente eu não tenho (na verdade, não tenho tido). Ao fim, concluí que algumas dificuldades encontradas ao longo do percurso revelaram-se como um jeito torto de vencer. Meu analista me questionou o que seria o "torto" para mim e, depois de minha explicação, me devolveu um silêncio desconfortável. Após alguns segundos (ou minutos que pareceram horas), eu soltei: "É, hoje eu só tenho coisas boas para falar". Silêncio novamente. Até que ele começou: "Flávia, por que você acredita que esse espaço aqui é só para trazer coisas ruins? Se fosse em uma sessão presencial, só esses 20 minutos iniciais teriam sido o suficiente e eu teria te cortado e dispensado em seguida". Fiquei sem entender. O feedback que ele me deu na sequência sobre o meu processo de análise foi bem positivo
Comentários
Gosto muito dos textos dela.